O suicídio é a terceira causa de morte (em
alguns países é a segunda) de adolescentes, depois de homicídios e
acidentes. É portanto um tema que vem preocupando especialistas da área
da saúde em todo o mundo. Idéias suicidas, ameaças, gestos e tentativas
de suicídio são situações comuns entre jovens e devem ser muito
valorizadas pela família e pelos profissionais que os atenderem. As
tentativas de suicídio ocorrem predominantemente entre meninas,
principalmente por ingestão de medicamentos ou substâncias tóxicas. O
suicídio completo é mais praticado por rapazes, por enforcamento, armas
de fogo e precipitação de locais elevados.
O que passa pela cabeça?
Quando, no Souza Aguiar, me defrontei com a morte do menino enforcado aos nove anos, a primeira pergunta que me fiz foi:
- O que passou pela cabeça dele e que o levou a tirar sua própria vida?
Seu pai, arrasado, contava que ele era muito bom, "só um
pouco intempestivo". Contou que o menino, certa vez, tinha colocado um
chapéu feito de jornal da cabeça e tocou fogo, querendo ser o
"homem-tocha", e que, em outra ocasião, tinha se machucado depois de
pular do alto de uma árvore, querendo imitar o Tarzã. Pensei comigo:
- Talvez um pediatra pudesse ter evitado essa morte.
Afinal o menino era impulsivo, sem noção do perigo, irrequieto - e esse é
um quadro conhecido e passível de tratamento. Um pouco de atenção
especializada e essa tragédia poderia não ter acontecido.
Outros casos semelhantes, que se sucediam no dia-a-dia
do hospital, me levaram a mergulhar mais profundamente em estudos sobre
suicídio e tentativa de suicídio entre jovens. Sentia que algo devia ser
feito para esses adolescentes, pelo próprio pediatra, usando sua
ligação antiga com o paciente, sua família e seu meio - e eu tinha
perfeita consciência dessa realidade.
No trabalho que publicamos no Jornal da Pediatria,
"Tentativas de suicídio em adolescentes", em 1985, a bibliografia
enumerava 23 fontes, evidentemente, entre elas, os trabalhos dos meus
mestres no tema, Prugh e Cassorla.
Há uma concordância entre os diversos autores: o assunto
faz parte das responsabilidades do pediatra, que tem de se envolver com
todas as situações de risco da criança, do adolescente e da família.
Ele é o primeiro que pode tomar conhecimento do sofrimento, dos
conflitos, que tem oportunidade de constatar mudanças no comportamento e
tomar as providências necessárias para evitar uma situação trágica. Não
pode menosprezar um gesto suicida, o primeiro grito, o pedido de ajuda.
Precisa dar apoio ao adolescente e aos pais. Se for necessário, deve
encaminhar o paciente para um tratamento psicológico sem com isso deixar
de acompanhá-lo e a seu desenvolvimento, não apenas biológico, mas
psicológico e social.
Por várias vezes, pude ajudar famílias, cujos filhos
adolescentes demostravam claramente - pelo menos para mim -
manifestações suicidas, traduzidas em dificuldades de relacionamento
familiar, com o grupo, ou em evidentes minicrises depressivas;
adolescentes que, por exemplo, sentam-se tristes e pensativos, no
parapeito de uma janela, ou ingerem vários comprimidos aparentemente
inofensivos, que se mostram continuamente instrospectivos, que
evidenciam baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento, sem sair
de casa, que se colocam constantemente em situação de risco, como tantos
adolescentes, ou aqueles que dizem que querem morrer. Todos estavam
pedindo socorro. Felizmente, as famílias ouviram seus apelos.
Nessa linha, pude perceber como era freqüente filhos se
queixarem constantemente de tristeza e os pais não perceberem a
sinalização que estavam recebendo. Passei a alertá-los e, em pouco
tempo, outros pais, de jovens que não eram meus pacientes, me procuravam
para ouvir sobre seus problemas.
É importante para o médico destacar que muitos
adolescentes, por falta de um adequado tratamento psicológico - ou mesmo
psiquiátrico - precoce, poderão vir a se matar. O pediatra deve
mostrar-se receptivo e informado, para que as famílias contem detalhes
de seu cotidiano. O adolescente, por sua vez, precisa perceber a empatia
de seu médico com ele, para poder conversar abertamente sobre suas
angústias, suas ansiedades, suas expectativas. Quando for o caso, o
pediatra recorre ao especialista, para um trabalho com o adolescentes
sozinho, em grupo, ou, como me parece mais eficaz, com toda a família.
Esse trabalho fundamental teria evitado a situação
descrita em uma revista americana, na qual, um pai irritado com a filha
de doze anos que tentara suicídio ingerindo medicamentos aparentemente
incapazes de levar à morte, quando ela voltou do hospital para casa
perguntou por que, já que queria morrer, não dava um tiro na cabeça.
Dias depois, em nova crise depressiva, a menina deu o tiro na cabeça e
morreu.
Procuro sempre alertar, por textos em jornais, em
entrevistas, símpósios e congressos que, destes jovens que agridem o que
têm de mais querido, seu próprio corpo, não se pode dizer apenas que
estão querendo chamar atenção. Devemos ficar atentos a esse pedido
verdadeiramente dramático de socorro. Com dedicação e acompanhamento,
podemos ajudá-los a superar seu desespero.
É uma responsabilidade de todos nós, que trabalhamos, educamos e convivemos com crianças e adolescentes.